sábado, agosto 12, 2006


Dia dos Pais


Faz catorze anos que não comemoro essa data. Que é triste e enfadonha ter que conviver com a família dos outros para agradar minha mãe, que acho não querer ficar em casa. Também nunca disse que por mim passaria o domingo dos pais dormindo, mas a vejo querendo ir almoçar com meus tios, talvez por forma de resgate do meu avô, que também já se foi, então eu vou.
Mas não me divirto. Rezo pra colocarem a sobremesa e voltar pra casa. Me questiono muito nessa data, mais do que no Natal. Não sei explanar o porquê, mas eu acho que é a única data que eu queria mesmo pra ficar perto do meu paizão. Natal é uma data tão família que me preenche a falta dele. Mas dia dos pais e o beijo e abraço do dia 31 de dezembro fazem falta, muita.
Crescer sem pai é complicado, a gente perde o referencial de homem. Nunca tive muita liberdade com nenhum dos meus tios, e o único cara que conheço que poderia preencher a falta do meu pai mora em Brasília. Que bom que agora, mais velho, quando posso ir à Capital Federal tenho como desfrutar de momentos com o tio Ricardo, jogando conversa fora, tomando uma cerva e gosto quando ele me explica coisas que não entendo e relembra meu pai. Recentemente ele disse que meu pai tinha sido seu grande amigo, e não existe palavras que eu pudesse colocar aqui, quando ele disse que poderíamos, minha irmã e eu, sentí-lo como se fosse meu pai. É verdade, eu sinto isso mesmo.
Tenho a mesma imagem congelada em minha cabeça desde 92, com o ideal de homem que quero ser, e que sou. Mas não conheci o meu pai profissional, não tive oportunidade de ver como ele se posicionava, o que achava, seus contatos, pois quando o acompanhava minha única atenção era ficar desenhando num canto de mesa e esperando pra ir lanchar com ele no meio do expediente.
Também nunca tomei uma cerveja com meu pai, e isso me dói muito. No bar, é onde os homens conversam e relaxam tomando uma. Não sei qual marca de cerveja ele mais gostava, se sabia abrir com o isqueiro ou garfo, mas sei que ele sempre mandava trazer uma Coca-Cola, kibe ou batata-frita para mim, e chamava os garçons pelo nome. Prática que aprendi para ser bem atendido em qualquer local do mundo.
Sei que meu pai fumava Carlton ou Free, mas nunca Hollywood, e talvez por isso eu tenha aversão à cigarros. Existe uma história que quando eu tinha cinco anos (um pouco maior que esse rapazinho da foto) o pentelhava pra deixar de fumar. Molhava carteira, quebrava cigarros e até os tirei da sua boca. Então ele resolveu me colocar contra a parede e me fez escolher entre ele parar de fumar ou dar o desejo de 10 entre 10 crianças dos anos oitenta que assistiam o Bozo e o Domingo no Parque: a bicicleta.
Minha mãe me conta essa história, eu não lembro. Parece que meu pai estava certo de que eu não titubearia em nenhum momento sobre a escolha. A bicicleta era a escolha mais óbvia, afinal eu era uma criança! Já certo de minha resposta ele comprou uma bicicleta, era daquelas de corrida, com pneus grossos amarelos, uma placa da mesma cor com o número 35, tão em voga nas breguices dos anos 80.
Minha mãe diz que ele esperou eu encher o saco dele em pedir uma bicicleta e fez a pergunta "Filho, você quer que o pai deixe de fumar ou quer a bicicleta?". A resposta veio de supetão, sem nenhum vacilo na minha voz "que você deixe de fumar..." e quando ele encheu os olhos d'água (sim, meu pai chorava, e por isso o acho tão humano) eu completei "a bicicleta eu posso pedir no Natal", revelando como funcionava minha mente infantil, de presentes em datas certas.
Naquele 12 de outubro eu ganhei uma bicicleta, e essa memória eu tenho na mente, dele no pátio do prédio me ensinando a andar enquanto algumas crianças que não ganharam uma bike, pediam pra dar uma volta. Eu gosto de ter o pensamento que ele tentaria a mesma brincadeira aos 18, para ver se a resposta seria diferente. Um carro ou a promessa de que eu o teria junto comigo mais anos?
Tenho 29 anos. Faz 14 anos que eu não tenho meu pai participando da minha vida de forma direta. Ano que vem me assusta, pois vai fazer mais tempo que ele está ausente do que presente. Sei que é a ordem natural das coisas, já que o tempo não corre pra trás, mas quando tenho esse pensamento me vem a vontade de chorar.
Só tem uma coisa que me conforta. Se aos cinco anos de idade eu tive peito em dizer pro meu pai que eu queria que ele parasse de fumar ao invés de uma bike, ele morreu na certeza de saber exatamente o tipo de homem que eu ia me tornar.
E assim, eu espero ser pai-herói um dia.

4 comentários:

Luiza Holanda disse...

tô aqui emocionada.

LANA NOBREGA disse...

acho que posso dizer honestamente que nunca li um texto tão lindo escrito por alguém que conheço de perto

pai-herói com certeza, o seu paizão, por mesmo longe fisicamente, conseguir emanar em ti palavras tão fortes como quem está perto

ele está perto, JB

não dá para sentir o abraço, que é algo tão físico, mas ele deixou para sempre contigo o que de mais valiso alguém pode deixar: o eco dele em ti

Que é tão forte que você pode certamente saber o que ele aprovaria ou não em suas ações

emocionante, com certeza, ler um amor tão puro, ler palavras vindas tão diretamente do coração: sem filtro

e você será sim esse pai-herói: simplesmente porque, pelo exemplo do seu pai, você já sabe como ser um

beijo grande! :*

Anônimo disse...

Eu não tenho dúvida.

Você vai ser pai-herói, mágico... enfim, tudo que há de melhor reunido.

Bj bem grandão. É maravilhoso ler essas coisas lindas aqui!

Bee of Jupiter disse...

Eu tenho certeza de que você tem seu pai mais próximo do que muita gente que tem ainda a presença física do pai. E que cresceu com ele, sim. Cresceu direitinho.
beijão