terça-feira, agosto 22, 2006


Avós.

O post de hoje eu escrevo com o coração na mão. Não sei se todo mundo sabe, mas minha avó matena mora conosco, é dona de um bom humor extraordinário, cheia de piadas e de vida pros seus 92 anos tão cheios de complicações cardiácas e diabetes.
Mas antes de falar da minha avó materna, eu tenho que falar da paterna. A vovó Zilda era aquelas avós de conto-de-fada, tipo a dona Benta do Sítio do Pica-Pau Amarelo. Eu adorava visitá-la, ela fazia os meus gostos, deixava eu dar comida pras galinhas quantas vezes quisesse, e mesmo muito humilde sempre tinha coca-cola na geladeira pra mim. Era uma daquelas geladeiras antigas meio ovaladas, com uma maçaneta tipo a de frigorífico e eu achava o máximo. Pena que quando ela morreu eu não me atentei, ma queria ter ficado com aquela geladeira pra mandar fazer um armário legal.
Vovó Zilda criou os filhos sozinha, pois tinha ficado viúva duas vezes. Era muito religiosa e diziam que ela educava com a mão de ferro, os filhos dela eram considerados sempre bem educados e de boa índole. Tenho certeza que a base moral que meu pai possuía era por ser filho dela. Eram muito humildes, nem carro tinham, uma casinha simples no Jacarecanga que até hoje sinto o cheirinho de lá quando lembro da vovó. Uma das coisas que ajudaram a morte prematura do meu pai foi ter visto minha avó doente, sem poder fazer nada. Papai ainda se foi três meses antes da vovó, e até hoje eu não sei de onde tirei forças pra suportar tantas perdas importantes na minha vida em tempo tão curto.
Eu nunca gostei de ir pra casa de meus avós maternos. Vovó Maria, apesar de ser engraçada, nunca foi de carinhar neto e imaginem comigo, o capeta em forma de guri! Mas há três anos, quase quatro, vovó Maria veio morar conosco devido à complicações com sua saúde. A casa ficou mais leve com a presença dela, cheia de ditados, cantigas e a língua bem ferina. Mas muito independente, com aquele jeito dela de não adular ninguém ou fazer carinho.
Esse ano devido à diabetes minha avó se submeteu a uma cirurgia de catarata, chegou em casa com o tampão, mas em poucas horas estava enxergando tudo. A gente brincava dizendo que agora ninguém segurava ela com a vista apurada e a língua afiada. Infelizmente três dias depois ela teve uma inflamação e hoje, duas cirurgias depois, o médico não pode dar certeza se ela volta a enxergar.
Talvez por sorte, a memória fraca dela ainda não caiu a ficha de que está cega. Às vezes ela reclama que o óculos tá ruim ou pede pra acender a luz, damos alguma desculpa de que a lâmpada queimou e vamos levando dessa forma, pra que ela não perceba que não enxerga. Às vezes é preciso ser mestre em mentira para dar tantas desculpas seguidas, mas a gente consegue, criatividade parece ser herança.
Mas tem dias como hoje, em que ela perde a noção de tempo e lugar. Que ela fica deitada na rede já perto da hora de dormir e chama pela gente, principalmente por mim, que ela considera o homem da casa. Eu não consigo fingir que não escuto e mesmo que repita dez vezes alguma desculpa e até brigue um pouco pra ela entender que estou falando sério, eu volto várias vezes ao seu quarto. Ela às vezes pensa que não está no quarto e diz que não quer dormir no lado de fora, que tem medo. E ela segura forte a minha mão e começa a chorar e pede pra eu ficar lá. Eu fico com os olhos cheios d'água vendo-a tão fragilizada assim, mas digo que ela está no quarto e pergunto se ela acha que vamos ter coragem de deixá-la em uma varanda, mas ela pede pra gente jurar que ela tá no quarto. "Eu juro vovó, tem cabimento uma coisa dessa?", mas ela segura na mão da gente e aí se dá conta que não enxerga e fica chorando dizendo que tem medo.
Quando foi decidio no conselho da família Machado que o melhor seria a vovó morar conosco eu fiquei com muito medo. Mas medo mesmo, de conviver mais com ela e de repente ela morrer e eu sofrer, sabe? Olha só que egoísmo! E hoje eu penso que é ao contrário, que sou o mais abençoado dos meus primos por poder ter essa dádiva. De que ela é tão frágil em sua saúde, que pode morrer hoje à noite ou daqui há anos, mas que eu vou sofrer muito eu vou. Muito mais do que se ela não morasse conosco, mas fico pensando em como tive essa graça na minha vida.
Então quando a vovó chora, aperta minha mão, pede pra eu jurar que ela está no quarto e que vou ficar lá perto, eu sinto que aprendi tanto em tão pouco tempo com ela. Que deixei de ser mesquinho e ligar para bobagens e que agora nesses últimos anos de vida dela pude conhecer minha avó melhor e amá-la muito mais. Tenho tanta pena dos meus primos que não podem partilhar isso, de que fazem visitas sociais rápidas e esporádicas e eu tenho minha avó ali todo dia, participando da minha vida.
Mas quando ela se for, eu sei que vou chorar muito, mas vou ter minha mãe e minha irmã pra apertar minha mão e dizer que vai ficar tudo bem, pois é assim que a gente vive.

3 comentários:

Luiza Holanda disse...

adoro quando você fala de sentimento. vou às lágrimas literalmente.

lindo texto, jota. uma benção essa sua avó. e tão bonito quando você diz perceber essa benção. ;)

beijo!

LANA NOBREGA disse...

eu só entro aqui para me emocionar, não tem jeito...

lindo o texto, JB
linda a história
linda a percepção desse amor grande

desse amar cheio de doação e beleza
[como todo amar deveria ser para se chamar assim]

e mais uma vez eu digo: sou fã do teu coração!

really really

:*

Bee of Jupiter disse...

As meninas expressaram bem tudo o que se sente ao ler esse texto. Mas mesmo assim faço questão de aumentar o coro, porque o texto é lindo, de verdade, assim como o sentimento.
beijo, Jota.