Quando pequeno eu sempre sonhei em ter um cachorro, havia tido duas tentativas frustradas com um Dobermann e um Cocker. Minha mãe tinha sido a vilã nas duas para que eles fossem embora (acho que 9 a cada 10 mães são contra os cachorros) de casa. O Duque havia quebrado a pata e minha mãe não quis ficar com um dobermann dentro de casa, a veterinária ficou com ele. O Leão foi pura frescura, ela entrou na cozinha e ele uivou e desde então ela dizia que era sinal de mau agouro.
Eu queria um cachorro mais do que qualquer coisa na vida, mas meu pai, apesar de querer que tivesse um cachorro em casa também, só fazia as coisas com o consentimento de mamãe (talvez por isso eu seja um pouco transgressor).
Quando nos mudamos para Fortaleza ele convenceu mamãe a nos deixar criar um cachorro e chegou, no dia 11 de fevereiro de 1991, com o Dino a tiracolo em casa. Ele tinha quase um mês, era pequenininho e sua lambida cheirava a leite.
Dino era um daschund preto de olhar vivo e bem atento. Gostava de ficar cheirando embaixo dos móveis, cantos de paredes, embaixo das camas e passava o dia andando pela casa fuçando o chão e olhando para o teto, sempre a procura de alguma coisa. Era incansável nessa guarda, se via algum bicho estranho o barulho de suas unhas no piso aceleravam e ele começava a latir. Moscas grandes, víboras, lagartixas, rãs e passarinhos eram alvos constantes de seus sinais de alertas.
Acho que por ter esse espírito guardião o Dino era um pouco arredio. Não gostava de ser posto no braço, odiava tirar foto e que ficasse longos minutos sendo acarinhado. A melhor brincadeira, pra ele, era correr e saltar. Eu costumava ficar chamando seu nome e deitava no meio da casa, ele vinha em uma corrida louca e saltava sobre meu corpo. A medida em que ele ia saltando eu ia dificultando as coisas, obrigando que ele saltasse cada vez mais alto. Então uma hora ele cansava e me esnobava, ia deitar longe, geralmente pegando um sol.
Não quero dizer que por ele não ser daqueles cachorros que ficam atrás de você o tempo todo ele não era um bom cachorro. Dino era maravilhoso! Naquele jeitão dele conseguia demonstrar o quanto me amava. Lembro quando papai morreu e cheguei em casa triste e fui para o meu quarto. Encostei a porta e me deitei na cama olhando fixamente para o teto. Eu era apenas um garoto de 14 anos e não conseguia digerir a história que meu pai, meu pai-herói, não ia estar mais comigo desde então. Ouvi uma batida na porta, mas não me levantei. Depois ouvi duas, três e a porta se abriu. Me virei na cama para olhar quem estava fazendo o barulho e o Dino entrou pela fresta, caminhou até mim, pulou na cama e deitou-se ao meu lado. Passei a mão no seu focinho, acarinhando entre seus olhos e comecei a chorar. Ali estava o único amigo verdadeiro que eu tinha em Fortaleza.
Dino viveu 17 anos. É tempo demais para um cachorro, dizem. Acho que para quem ama não existe essa expressão "tempo demais". Quando o Dino ficou velhinho, seus dentes quase todos amarelados com uma crosta de tártaro estavam infeccionados, fiquei desesperado quando a veterinária disse que ele tinha duas chances de sobreviver da infecção. Uma ele viveria mais uns três, quatro meses com a infecção ou ele poderia operar e morrer por conta da anestesia. "Mas ele tem chance de sobreviver à cirurgia, não é doutora?". Ela afirmou que sim, mas por conta da idade, na época com 14 anos, ela achava difícil. Dino era muito saudável, só ia ao veterinário para tomar suas vacinas anuais, nunca teve problema de nada.
Topei por fazer a cirurgia, deixei o Dino no consultório as 15hs e voltei pra casa. As 23hs a Dra. Márcia me liga dizendo que correu tudo bem, mas que só poderia dar certeza pela manhã. As 09h00 ela me liga novamente mandando buscar o Dino, quando perguntei se ele estava bem, ela me respondeu que ela quase não dormiu de noite com ele tentando pegar a cachorra dela que tava no cio.
Nessa época eu já tinha a Hannah, a cocker dourada que virou fácil o xodó lá de casa, que aparenta ter emoções tão humanas, mas tão humanas que as vezes eu espero que ela fale alguma coisa quando pergunto algo. Quando o Dino chegou em casa, o coloquei no meu quarto na sua caminha e fiquei fazendo carinho na sua testa. Hannah entra no quarto, espia de espreita, e como se dissesse "vim ver como está meu irmão", anda até o Dino e o cheira.Sobe na minha cama e fica comigo, velando por ele.
O último ano de vida do Dino foi bem difícil, ele já não andava como antes e eu já havia notado que ele enxergava mal por conta da catarata e até mesmo seu olfato e audição que eram excelentes já não estavam grande coisa. Ele só me ouvia se eu gritasse, se eu jogasse algum pedaço de carne pra ele as vezes tinha que direcionar para próximo do focinho, pois ele demorava a encontrar. A dificuldade que ele tinha para se levantar e deitar me mostrou o início de uma artrose.
Minha mãe perguntou se não deveríamos sacrificá-lo, pois achava que ele estava sofrendo. "Ele não está sofrendo, mãe" - respondi - "ele está velho". Eu o cerquei de cuidados o quanto podia. Comprei uma ração mais molinha, mas ele não gostava. Mesmo tendo arrancado 80% dos dentes, ele queria a ração durinha. Eu as vezes ficava um longo tempo olhando ele comer pra ter certeza que era ele que limpava sua tigela e não a Hannah, sempre gulosa.
Por conta da idade Dino urinava muito e já não mais levantava a perna. Como eu passava muito tempo fora de casa eu pedia paciência para a empregada. "Ele está velhinho, cuida bem dele", "tenha paciência, por favor", "deixe limpo, sei que é chato, mas faça por ele". Nunca tive problemas com isso, pois a Deuzi está lá em casa há 20 anos e viu o Dino crescer, ele era tão meu quanto dela.
Um dia de noite eu acordo com ele uivando, me levanto rápido e vou até a cozinha. dino estava em pé, com a respiração arfante e sem paciência. O pego com carinho, deito em sua caminha, enrolo com uns panos e faço carinho até ele se acalmar. Naquela hora eu senti que ele iria me deixar. Me perguntei, no trajeto até meu quarto, se deveria levá-lo ao veterinário e achei melhor não. Ele estava velho, debilitado, qualquer coisa que eu fizesse seria somente para estressá-lo e adiar um pouco o que seria inevitável. Deitei em minha cama e rezei, pedi para que meu pai fosse buscar o último presente que havia me dado com carinho.
Acordei de manhã com minha mãe sentando na minha cama e dizendo que achava que o Dino havia morrido. Me levantei e corri até a cozinha, ele estava deitado embaixo da pia, fora de sua caminha. Me agachei e chamei por ele e passei a mão em sua cabeça. Dino deu um pequeno suspiro e eu o coloquei em meus braços. Me sentei no chão e fiquei cantando "Casinha Branca". Dino morreu nos meus braços no dia 03 de fevereiro de 2008.
Corri pro meu quarto e comecei a chorar, Hannah pulou na minha cama e ficou me lambendo. Me levantei, peguei uma camisa do Super-Homem e o enrolei com cuidado. Fiz questão eu mesmo de cavar sua cova e o coloquei cuidadosamente no chão.
Meu amigo se fora, mas de onde eu estiver eu sei que ele cuidará de mim. Desconfie do caráter de quem não gosta de animais, não existe amor mais puro e leal do que um homem e seu cão.